Sede: Escola de Belas Artes da UFMG.
Coordenação: Prof. Dr. Antonio Hildebrando
Co-coordenação: Prof. Ms. Eduardo dos Santos Andrade

quinta-feira, 28 de julho de 2011

da turbulência...

Quinto dia de apresentação: com um certo ar de cansaço, mas ainda sim embalados pela boa apresentação do dia anterior, iniciamos nossa rotina pré-espetáculo. O propósito era repetir os mesmos passos que culminaram com o bom resultado da noite de quinta: "energia" como palavra de ordem. Concentração, atenção, ritmo e presença durante as duas horas de peça. Misturamos todos estes ingredientes e não deixamos a massa descansar para não esfriar e ficar sem graça. Servimos imediatamente após nosso aquecimento diário. Em média, 200 porções.
Fazíamos uma apresentação justa, sem atropelos, com mais propriedade daquilo que propúnhamos em cena até que o inesperado nos alcançou...
A turbulência!
O mar agitado!
O buraco na estrada!
O prego no pneu da bicicleta!
Ou, simplesmente e assustadoramente, a falha do som mecânico.
(Um minuto de silêncio pelo acontecido.)
...
Pois é!
Estávamos no "momento medieval" do espetáculo, quando as atenções se voltavam para a encenação da paixão de Cristo [que conta com aparatos multimídia], que a bruxa do teatro nos pregou uma peça: o som parou de funcionar e o áudio gravado com os textos do julgamento de Jesus, que sobrepõe o vídeo que é exibido durante a cena, não foi ouvido naquela noite. A arena ficou em silêncio diante da sequência de imagens que narram os momentos finais do filho de Deus até que o nosso Jesus postiço, já crucificado e com o texto na ponta da língua, deu o ar da graça e não deixou por menos: soltou a voz, reclamou o abandono do Pai, proseou com os dois ladrões [que foram representados por atores espertos na mesma medida], suspirou uma última vez e morreu.
Prosseguimos com espetáculo e a falta do som só seria sentida novamente na cena do "Inspetor Geral". Momentos antes de entrar em cena, perguntei aos operadores de som se poderíamos contar com a música. O sempre querido Ivanil (faz de tudo n'A Viagem de Thespis) que estava por ali, tentando solucionar o problema, sorriu e me respondeu "acho que sim".
No início o som até quis funcionar, mas depois de duas engasgadas silenciou-se de vez. Prosseguimos na execução da cena que acreditávamos ser totalmente dependente da música. E a sensação é de que nunca chegaríamos até o fim da estrutura que compusemos para contarmos a história do Gógol sem utilizar texto falado, inspirados pelo cinema mudo. E corre pra lá (e escuta o ruído da corrida antes abafado pela música), joga o saco de dinheiro pra cá, o falso inspetor escapa no meio do público perseguido pelos outros personagens e, antes do próximo acontecimento da peça, aplausos. Palmas generosas do público, dos nossos colegas de cena e os da equipe técnica. Para quem pensava que tínhamos perdido os remos, engano: Continuávamos remando, firmes, fortes e (mais importante) juntos.
Terminamos a quinta apresentação com alguns colegas machucados. Nada grave, só um pouco dolorido. A bruxa, além de solta, queria sangue! Mal sabia ela que com um bom Gelol e uma noite de sono voltaríamos no dia seguinte com força total...
(continua)

"NÃO ACONTECE COMO ERA DE SE ESPERAR. E ASSIM, TERMINA O DRAMA".
Dionísio.
Raysner d'Paula

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Parada Final

Então é o nosso último dia (não sei se infelizmente ou graças a Deus). Não sei o que chegar aqui pode significar para as pessoas, mas todos hão de convir que no mínimo (muito no mínimo) é o fim de uma etapa. Foram longos meses trabalhando para alcançar um objetivo comum. Isso gera uma ligação entre as pessoas.
Não vou cair no clichê de dizer que somos uma família, mesmo que a comparação caiba perfeitamente: tem aqueles parentes que nós só vemos na reunião de família; uns poucos que você detesta, mas tem que aturar porque são da família; mas tem uma galera que você tem orgulho de chamar de família, como aquele irmão mais velho com quem você divide as tarefas da casa (Cézar), aquela sua irmã meiga e mais nova que você ama e vive tentando proteger (Ju Birchal), aquele tio-avô linha dura porém inteligentíssimo e genial (Hazan), o tiozão que faz piadas sem graça (Adir e Claudão), aquele primo faz-tudo (Samuel, Daniel e Ivanil), os seus primos capetas com quem você apronta todas (Ju Abreu, Akner, Flora), aquela tia que cuida de você quando você se machuca (Márcia), aquela irmã mais velha que manda você criar juízo e deixar de ser bagunceiro (Helaine e Sofia) e aquele irmão que você sabe que pode contar em toda e qualquer hora e para toda e qualquer coisa (Bottaro), isso tudo chefiado, e porque não dirigido, por um paizão meio ranzinza, bravo quando precisa, mas acima de tudo que impõe respeito e desperta profunda admiração e que, mesmo mantendo a pose de durão, se preocupa com a gente (adivinha quem, Chefe); dentre tantos outros que guardo com carinho.
Não, por mais tentador que seja, não vou cair no clichê de dizer que nós somos uma família. Mas posso dizer com absoluta certeza que vi mais vocês do que minha família. E também posso dizer que (pelo menos para mim) valeu muito apena: nós fizemos um senhor espetáculo, que já é um marco, do qual eu tenho muito orgulho de ter participado e, o mais importante de tudo, no qual eu me diverti MUITO mesmo!
E não acho que seja o único: acredito que Thespis esteja no mínimo emocionado; que Dionísio, com todos os deuses, nos tenha abençoado; que Pan tenha rido e se divertido; que Aristóteles e Aristófanes (mesmo com as diferenças entre comédias e tragédias) tenham ficado orgulhosos; que todos os atores que já usaram as máscaras da Commedia Dell’Arte tenham se sentido honrados; que Shakespeare tenha requebrado ao som do seu samba; que o Anjo Pornográfico tenha elogiado e recomendado; que Ionesco e Beckett tenham ficado pasmos; que Chaplin (mesmo representado singelamente) tenha tirado seu lendário chapéu para nós; que Stanislavski, Brecht, Boal e todos os outros tenham dito “é isso”; e que até os vivos aprovariam e aplaudiriam. Acho que o único que se revirou no túmulo foi Tertuliano e, mesmo assim, tenho minhas dúvidas, pois, em certa instância, realizamos um milagre.
O nosso espetáculo, como a Lua que o iluminou, foi crescente! Foi um espetáculo que viveu pouco, mas com brilho intenso! Porém chegamos ao fim dessa etapa, mas a viagem continua. Ela sempre continua.
Essa seria a hora perfeita para eu dizer a última palavra de Hamlet e uma das minhas frases favoritas “O Resto É Silêncio”, mas, como o Hilde me disse uma vez e só agora eu entendo: “O resto não é silencio, eu não quero que o resto seja silêncio”. Eu poderia usar a última palavra de Prometeu, “Resisto”, mas resistir foi o que já fizemos esses quatro meses e, principalmente, nesses últimos sete dias de apresentação; poderia usar a última palavra de Goethe, “Deixe Entrar Mais Luz”, mas acredito que nós tenhamos sido a resposta a essa suplica dele. Se a última palavra é a que fica, se a última palavra é a palavra do poeta, eu fico com um trecho da mesma música que usamos para fazer as malas:
Hora de ir embora quando o corpo quer ficar, mas essa é arte de deixar algum lugar quando não se tem para onde ir: ir deixando a pele em cada palco e, sim, olhando (com carinho) para trás, mas sem nunca, jamais dizer Adeus!
Foi um prazer, uma honra e um orgulho fazer essa viagem louca com vocês!
Arthur “Arock” Diniz

Mais uma dia, mais uma peça pra se apaixonar

Audácia! Diria um incauto ante a proposta da peça A viagem de Thespis. E de fato trata-se de empreitada difícil, afinal, resumir, condensar milênios em uma hora e meia não é tarefa fácil. Contudo, nessa viagem pelos tempos, visita às origens da sutil arte de encenar, há audácia sim, mas há também perspicácia, maturidade e, sobretudo, sensibilidade. Mexe-se no passado, revira-se os séculos sem pudor algum, mas não gratuitamente; cada gesto é calculado, cada passo medido, tudo ao fim redimensionado e o que eram fragmentos de “coisas velhas” convergem para um todo inegavelmente novo e coeso. Das Helenas ao adeus dos artistas o que se vê é um trabalho minucioso de remontagem; peça a peça (com o perdão do trocadilho) vai surgindo aos olhos maravilhados do espectador o intricado mosaico que é o teatro, e tal homenagem faz-se bela. Mas se há um movimento no sentido da unidade, há outro que só faz desmontar. Desmonta-se as estruturas teatrais, o olhar do ator volta-se sobre si mesmo; o público se perde, pois também ele é deslocado, tem ainda sua atenção exigida de todos os lados; em suma, tudo é questionado até chegar-se a um consenso, que parece ser o de não haver limites. E não há mesmo a possibilidade de se apreender A Viagem de Thespis por completo, a cada espetáculo o público captura novos detalhes, assiste a uma peça nova, faz uma nova peça. Evoé teatro!

Diego Ferreira

sábado, 9 de julho de 2011

como [ou melhor que] a primeira vez

"Energia" era a palavra de ordem do início dos trabalhos do quarto dia de temporada. Se nas duas noites anteriores fizemos um espetáculo demonstrando que sabíamos o que precisava ser feito "tecnicamente", já passava da hora de injetarmos vida no trabalho. "Estar" de fato. Corpo presente e mente presentes, atentos, precisos. Organicidade. Ritmo. Tátibitati. Um belo colorido em um desenho bem delineado. Acreditar no que se faz.
E hoje em dia é difícil encontrar por aí algum coletivo com mais de cinquenta pessoas [de diferentes gostos, vontades, estéticas, formações e visões] que o desejo de fazer a coisa toda funcionar é unânime. Há um anseio de aprimorar o espetáculo e fazer igual ou melhor [e menos nervoso] que a primeira noite, em que pairava a boa sensação de dever cumprido. Evoé. Nostalgia!
(Um instante: onde lê-se "nostalgia", leia-se "por acaso somos um bando de moribundos no final da vida? Não. Deixa o tal "recordar é viver" pra outro momento porque às 20 horas em ponto o público adentrou os reinos oníricos [e caóticos] de Dionísio e lá estava mais uma boa oportunidade de colocar este romantismo mamão com açúcar - o fiz e foi tão lindo... - de lado e remar com coragem".) E foi o que fizemos.
Mais cedo, o Hilde havia nos pedido que tirássemos aquela calma das nossas caras e ficássemos atentos. Na hora bateu feito um safanão no pé do ouvido. Mas depois houve boas reverberações em cena. Aquilo de saber o que fazer e abrilhantar o como se faz. No conforto do "jogo ganho" esse brilho não dá o ar da graça e parece que estamos apenas cumprindo tabela. Fora os "imprevistos" que podem aparecer graças a este afrouxamento e serem decisivos em um espetáculo de tantos detalhes. Nesta noite, a chamada de atenção nos fez bem. As passagens de uma cena para outra estavam fluídas e a tal energia estava lá em cima
A plateia - que engraçado! que honra! - repleta de gente que já assistiu o espetáculo anteriormente reage conosco a cada nova cena. Já sabe onde ir na hora certa. Cantam com os atores. O professor Arnaldo Alvarenga estava com o "Na Carreira" na ponta da língua e sua voz se juntou às nossas. Difícil pensar que os professores Marcos Alexandre e Luiz Otávio não se divertiram naquela noite. A risada dos dois é um à parte no espetáculo e, claro, sempre bem vindas. Quem veio pela primeira vez também se contagia.
-- Alguém abandonou o barco durante "A viagem"?
-- Parece que não, capitão.
-- Ora pitombas! Isso é muito bom, senhores!
Se houve falha ali ou aqui, a energia boa entre nós passou por cima e manteve tudo em ordem. Palavrinha poderosa essa. Casada com a técnica, faz das duas horas de peça uma celebração. Um bom encontro. E por ali, na sala onde guardamos os nossos figurinos e objetos de cena, pipocaram vários comentários do tipo "fizemos um bom trabalho".

FELIZ É QUEM CONSEGUE SUPERAR AS PROVAÇÕES AO LONGO DESTA VIDA.
Sátiros.
Raysner d'Paula