Não vou cair no clichê de dizer que somos uma família, mesmo que a comparação caiba perfeitamente: tem aqueles parentes que nós só vemos na reunião de família; uns poucos que você detesta, mas tem que aturar porque são da família; mas tem uma galera que você tem orgulho de chamar de família, como aquele irmão mais velho com quem você divide as tarefas da casa (Cézar), aquela sua irmã meiga e mais nova que você ama e vive tentando proteger (Ju Birchal), aquele tio-avô linha dura porém inteligentíssimo e genial (Hazan), o tiozão que faz piadas sem graça (Adir e Claudão), aquele primo faz-tudo (Samuel, Daniel e Ivanil), os seus primos capetas com quem você apronta todas (Ju Abreu, Akner, Flora), aquela tia que cuida de você quando você se machuca (Márcia), aquela irmã mais velha que manda você criar juízo e deixar de ser bagunceiro (Helaine e Sofia) e aquele irmão que você sabe que pode contar em toda e qualquer hora e para toda e qualquer coisa (Bottaro), isso tudo chefiado, e porque não dirigido, por um paizão meio ranzinza, bravo quando precisa, mas acima de tudo que impõe respeito e desperta profunda admiração e que, mesmo mantendo a pose de durão, se preocupa com a gente (adivinha quem, Chefe); dentre tantos outros que guardo com carinho.
Não, por mais tentador que seja, não vou cair no clichê de dizer que nós somos uma família. Mas posso dizer com absoluta certeza que vi mais vocês do que minha família. E também posso dizer que (pelo menos para mim) valeu muito apena: nós fizemos um senhor espetáculo, que já é um marco, do qual eu tenho muito orgulho de ter participado e, o mais importante de tudo, no qual eu me diverti MUITO mesmo!
E não acho que seja o único: acredito que Thespis esteja no mínimo emocionado; que Dionísio, com todos os deuses, nos tenha abençoado; que Pan tenha rido e se divertido; que Aristóteles e Aristófanes (mesmo com as diferenças entre comédias e tragédias) tenham ficado orgulhosos; que todos os atores que já usaram as máscaras da Commedia Dell’Arte tenham se sentido honrados; que Shakespeare tenha requebrado ao som do seu samba; que o Anjo Pornográfico tenha elogiado e recomendado; que Ionesco e Beckett tenham ficado pasmos; que Chaplin (mesmo representado singelamente) tenha tirado seu lendário chapéu para nós; que Stanislavski, Brecht, Boal e todos os outros tenham dito “é isso”; e que até os vivos aprovariam e aplaudiriam. Acho que o único que se revirou no túmulo foi Tertuliano e, mesmo assim, tenho minhas dúvidas, pois, em certa instância, realizamos um milagre.
O nosso espetáculo, como a Lua que o iluminou, foi crescente! Foi um espetáculo que viveu pouco, mas com brilho intenso! Porém chegamos ao fim dessa etapa, mas a viagem continua. Ela sempre continua.
Essa seria a hora perfeita para eu dizer a última palavra de Hamlet e uma das minhas frases favoritas “O Resto É Silêncio”, mas, como o Hilde me disse uma vez e só agora eu entendo: “O resto não é silencio, eu não quero que o resto seja silêncio”. Eu poderia usar a última palavra de Prometeu, “Resisto”, mas resistir foi o que já fizemos esses quatro meses e, principalmente, nesses últimos sete dias de apresentação; poderia usar a última palavra de Goethe, “Deixe Entrar Mais Luz”, mas acredito que nós tenhamos sido a resposta a essa suplica dele. Se a última palavra é a que fica, se a última palavra é a palavra do poeta, eu fico com um trecho da mesma música que usamos para fazer as malas:
Hora de ir embora quando o corpo quer ficar, mas essa é arte de deixar algum lugar quando não se tem para onde ir: ir deixando a pele em cada palco e, sim, olhando (com carinho) para trás, mas sem nunca, jamais dizer Adeus!
Foi um prazer, uma honra e um orgulho fazer essa viagem louca com vocês!
Arthur “Arock” Diniz